Treinar para a reforma
E há quem se reforme adequadamente e se pergunte como é que aguentou tanto tempo a trabalhar.
Com a velocidade com que a tecnologia vai substituindo e alterando os postos de trabalho, cada vez vão haver mais pessoas sem o habitual emprego de horário fixo da era industrial e muitas mesmo sem qualquer emprego. E digo emprego porque trabalho vai sempre haver, nem que seja para programar as máquinas que o vão fazer.
E muitos vão passar grande parte da sua vida reformados. Uns felizes e outros doentes. Porquê?
Um dos grandes problemas do ser humano é a mudança. Mesmo que seja para melhor, o seu cérebro reptiliano responsável pela sobrevivência, começa a dar grandes sinais de alarme e, muitas vezes somos empurrados para a forma de vida anterior, a nossa zona de conforto, por mais dolorosa que seja. Alguns vão adiando a transição até não terem mais saúde e apenas, uma boa poupança para viver vegetando ou presos a máquinas e químicos, num lindo quarto de luxo à beira mar.
O melhor remédio é treinar para a reforma. Pois, se tudo correr bem, todos iremos estar nessa fase da vida um dia, desejavelmente, com a maior saúde e alegria.
E como é que se faz isso?
Cada caso é um caso mas vou falar um pouco da minha experiência que talvez possa servir de inspiração para ti.
Baixa ou período sabático
Uma das formas de treinar para a reforma é deixares de trabalhar por algum tempo e sentires como fica a tua vida do ponto de vista mental, emocional e físico. Pode ser uma licença sem vencimento ou uma baixa médica (caso tenhas alguns sintomas de doença, biológica ou psicológica, claro!), ou chegar a um acordo com a empresa onde trabalhas e ir para o fundo de desemprego ou outra ideia criativa que te ocorra. E, nesse período, procurar novas formas de ocupar o tempo. É assim como tirar umas férias mas, desta vez, mais prolongadas e colocando a hipótese mental de continuação para sempre. Com novas rotinas e ocupações que te tragam prazer, dentro dos limites do teu novo orçamento mensal.
No meu caso usei a baixa médica porque estava com vários problemas de saúde, temporários e pouco habituais. Foi a primeira vez em toda a minha vida profissional que meti baixa e, confesso que foi um grande desafio mental e emocional recorrer a essa solução.
Ressaca
Conheço algumas pessoas que me dizem que não conseguem ficar sem trabalhar mais de uma semana. Que entram em stress ou depressão. No meu caso, depois de reformado andei vários meses a sonhar com o trabalho. E isso é normal. Qualquer hábito de muitos anos está tão enraizado nas nossas células e na nossa mente que, quando se altera, mesmo que seja para outro melhor, traz uma ressaca associada. É assim como deixar qualquer vício ou dependência nefasta, como a de beber álcool, de fumar, de comer doces em exagero, de sexo desregrado, de consumismo impulsivo, de jogos ou navegação web contínua. O nosso inconsciente continua a empurrar-nos para o passado doentio mesmo que o nosso consciente nos diga para não o fazer. O inconsciente manda 95% no nosso comportamento e, em qualquer mudança, o sentimento de ressaca é natural. Mas, com o tempo e algumas âncoras, isso passa.
Âncoras para a mudança
A primeira coisa a fazer é um acordo connosco próprios, se queremos mesmo mudar. Agora. Já. Se não quisermos (já) não vale a pena. E, nesse sentido, também não vale a pena a lamúria que o trabalho é cansativo e que já não aguentas mais e que o mundo está mal... e que um dia quando te reformares é que vais fazer aquilo que mais gostas, etc. etc... Antes dos problemas de saúde eu achava que ia trabalhar até aos 90 anos! Foi a doença, inesperada e pontual, que me empurrou para querer fortemente a mudança.
A segunda âncora é encontrar grupos de pessoas a quem te possas juntar para ensaiar novos hábitos de vida ou a desenvolver alguns dos teus hobbies de sempre. Grupos humanitários que fazem trabalho social, clubes desportivos, artísticos ou recreativos, workshops temáticos de acordo com os teus interesses, grupos religiosos, espirituais ou de meditação, retiros ou caminhadas na natureza, economia circular sagrada, tratar dos netos, sei lá... algo para ocupares o tempo em outras coisas diferentes das rotinas do trabalho, mas em conjunto com outras pessoas. Remunerado ou não remunerado. Dentro da família e amigos ou fora da família e dos amigos.
A terceira é o foco num dos teus sonhos ainda não realizado. Por exemplo escrever um livro, realizar uma dada viagem, estudar física quântica ou inteligência artificial, comprar um carro elétrico ou dar um salto de paraquedas. Algo que só dependa de ti e que te apaixone.
E a última, provavelmente a mais importante e desafiante, é cultivar o dulce far niente. O estar contigo, só contigo, bem contigo, em silêncio, em paz e equilíbrio. Um amigo workaholic disse-me uma vez que a mente vazia é a oficina do diabo. E que estamos condenados a estar sempre ocupados. Pode ser e pode não ser. Depende da mente. Também pode ser a oficina de Deus. E é aqui que entram as terapias.
O Equilíbrio e as terapias
Numa sociedade tão focada no ter, no mental e no material, quando nos focamos no ser, no emocional e no espiritual parece que somos assim tipo alienígenas. A andar em contracorrente. Mas para uma boa saúde e alegria de viver é fundamental o equilíbrio entre estas duas dimensões da condição humana.
Seja qual for a tua situação quando o tempo da reforma se aproxima, casado ou divorciado, com filhos ou sem filhos, com casa e carro pago ou com dívidas, mais doente ou saudável, é sempre possível encontrar esse equilíbrio. Existem inúmeras áreas no campo das medicinas alternativas ou terapias complementares, desde a acupuntura até à homeopatia, do reiki até à reflexologia que podem ajudar-te nesse equilíbrio. Isto não quer dizer que devas abandonar o teu médico ou terapeuta habitual, mas sim reforçares aquilo que a nossa medicina tradicional alopática e a farmacologia moderna nos dá de grandioso, no campo do ter, mental e material. Estou aqui a sunlinhar mais o campo do ser, do emocional e do espiritual porque acredito, por experiência própria, que é fundamental para essa nova fase da vida. Muitos de nós temos o corpo e a mente muito fragilizados pela ação corrosiva do mundo competitivo laboral, desde ansiedade crónica até à obesidade, da pressão alta à apeneia do sono, das dores crónicas até dependência de drogas ou de dívidas, e é preciso fazer algumas limpezas ou um reset em algumas áreas.
Hipnose
No meu livro "Tu não és um computador", que escrevi nessa minha fase de treino para a reforma, poderás encontrar mais algumas ideias para te ajudar a dar o salto para uma nova vida. Mais feliz e saudável. Com melhores relacionamentos contigo e com outros. Mas só se quiseres. ok?
Como perguntava um amigo meu, às vezes pergunto-me também hoje, já com novos hábitos adquiridos: Como é que antigamente eu tinha tempo para trabalhar? 😄
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